"É necessário considerar que o monstro mostra alguma coisa do que nós somos" |
Por Marcelo Silva de Souza Ribeiro
A Folha da Cidade ressurge renovada como num réveillon, que em francês significa, além de ceia de Natal ou Ano Novo, virada de ano, e “despertar” por extensão (tendo origem no verbo réveiller). Este jornal desperta de modo vigoroso e tendo alguns colaboradores entusiastas com a proposta, incluindo este colunista que vos escreve.
Nesta coluna, como um réveillon da Folha, trago a ideia do efeito monstro, ou melhor, o que o monstro mostra. Para uma parte significativa da população, a representação social do atual presidente da República tem qualquer coisa de monstro. Bem verdade que as representações são sempre múltiplas e assumo o recorte aqui dado.
A palavra monstro tem sua origem no latim monstrum, que significa objeto ou ser de caráter sobrenatural que anuncia a vontade dos deuses; aberração, aquilo que foge da ordem natural das coisas. O curioso é que a palavra mostrar, do latim monstrare é o infinitivo do verbo monstrum. A pergunta que se faz, portanto, é: o que o monstro mostra?
Sem alimentar visões dicotômicas que desvalorizam autocríticas e análises implicadas é necessário considerar que o monstro mostra alguma coisa do que nós somos, desvela um certo perfil da sociedade brasileira. E isso pode ser até paradoxal, uma vez que, apesar dessa representação social de um presidente como monstro, isso não retira a responsabilidade de todos nós acerca da condição ou representação monstro. Tenho defendido, nesse sentido, que a representação social é sempre da ordem da relação e da intencionalidade.
Os fortalecimentos e ascensões de narrativas autoritárias, preconceituosas e belicosas, além de discursos e ações negacionistas e insensíveis, sejam em relação aos temas ambientais ou à situação da pandemia, mostram que houve uma potente identificação da população. Essa identificação ou aderência revela, em alguma medida, como um espelho que reflete a própria imagem, que também somos monstros.
O monstro mostra então que é importante não olhar apenas para o outro, ainda que esse outro seja um presidente, mas olhar para o que somos, incluindo aí nossas constituições históricas e culturais. E isso não tem nada a ver em cultuar nossas monstruosidades e sim, ao enxergar nossos monstros em potenciais, não empoderar monstros outros e mesmo superarmos essas aberrações.
A consciência do que somos ou do que somos capazes em fazer (ou já fizemos), por mais monstruoso que seja, é uma possibilidade de um réveillon, de um despertar, diferente e mais esperançoso de sermos humanos melhores e de vivermos numa sociedade mais solidária e menos injusta.
Marcelo Silva de Souza Ribeiro é psicólogo e professor da Univasf, doutor em Ciências da Educação pela Université du Québec à Montréal, com pós-doutorado na UFBA e editor da Revista de Educação do Vale do São Francisco (Revasf).
O monstro mostra-se como espelho para muitos/as, mas eu fico com o poeta Thiago de Mello que celebra a vida mesmo diante do caos. "Faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar”.
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