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11/01/2022

O Sertão e o acesso à educação

Por Helinando P. de Oliveira

Caros leitores da Folha da Cidade, permitam-me uma breve apresentação. Eu sou Helinando Oliveira, recifense, físico, torcedor do Sport Club do Recife e que escolheu ser sertanejo a partir de 2004, quando cheguei a Petrolina pela primeira vez com o desafio de começar uma universidade nova: a Univasf. Sendo sertanejo por escolha, tive a oportunidade de ver a migração reversa de estudantes do Sul e de outras cidades do Nordeste para o Vale do São Francisco, ao mesmo tempo em que construíamos a cultura do que seria uma universidade sertaneja. 

Ao invés de trazer o toque colonizador de traços de raízes europeias (que praticamente todos temos) resolvi tirar a toga e mergulhar na caatinga, com todos os seus espinhos e segredos. Comecei meu trabalho dialogando com o mulungu (isso mesmo, as plantas têm muito a nos contar) e dezessete anos depois aprendi a manipular com a riqueza da pele da tilápia.

Alguns leitores podem perguntar: mas físico não é como aqueles caras despenteados que tiram fotos com a língua de fora? Eu respondo: até podem ser, se quiserem. A desconexão com a realidade é uma possibilidade, uma fuga. Para o Brasil do século XXI seria mais, uma covardia. Viver no mundo em que as pessoas se alimentam de ossos e moram ao relento requer muito mais que cabelo despenteado e língua de fora. 

As Universidades Federais começaram o seu ciclo de interiorização há mais de 17 anos para serem muito mais que uma fábrica de diplomas. Elas carregaram em seu DNA a necessidade de formar profissionais conscientes de seu papel na sociedade. E a “doutorite” (doença imaginária que acomete os recém-formados doutores) que carrega toda a boçalidade e arrogância acadêmicas descobriu que há um perfil de imunizados a ela: são todos aqueles que carregam o último fio de esperança de suas famílias. São aqueles homens e mulheres que entendem que um diploma não significa nada – que é apenas um papel irrelevante – diante de uma missão nobre de fazer justiça social pela educação. É por estas pessoas que trabalho e que são a esperança de um país que despreza a educação. 

A Universidade chegou ao Sertão para conhecer a essência do sertanejo de Vidas Secas e os Sertões, do povo descendente da batalha de Canudos... E esta mistura é poderosa – o acesso à educação de uma gente antes de tudo forte. Por isso mesmo decidi por aqui ficar. Tudo é mais difícil, complicado. E mesmo assim muito mais gostoso. 

Com isso, gostaria de convidá-los a ler um pouco sobre ciência comigo – com sotaque, com mel e queijo de coalho, depois de um bode assado. Uma ciência de mais alto nível construída sob os pés rachados que se enterraram no solo quente da caatinga. 

Vamos lá?

Helinando P. de Oliveira é professor, engenheiro eletrônico e doutor em Física 

9 comentários:

  1. Enquanto existir um único servidor público da educação com este pensamento está extrema direita maldita, assassina, negacionista não vingará.

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  2. Que artigo alentador, que sensibilidade. É para isso que a educação e a ciência servem. Mostrar que não existe região inviável e que tudo é decisão política. Bastou uma universidade federal nesse Sertãozão para que ela se tornasse referência e agregasse pessoas como o professor Helinando, que é um cientista preocupado com a região e com os mais vulneráveis socialmente.
    Sou uma admiradora desse cara ímpar.

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  3. Espero que só seja a entrada porque ficou com sabor de quero mais. Maravilha!

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  4. É de professores assim que precisamos.

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  5. Brilhante! 👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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  6. Super genial ! ��������������

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  7. Vopu acompanhar seus artigos, Helinando. São de pessoas assim que o Brasil precisa.

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  8. Serei leitora assídua, professor. o sr. é grande.

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  9. Que grande tapa em forma de beijo, meu amigo. É ao lado de gente assim que dá orgulho de poder trabalhar e honrar o que ainda está em processo de construção, embora tão espezinhado nestes tempos de destruição e corte de verbas, mas com mais de 150 mil gastos em passagens, em poucos meses, para um único apagado e alheio servidor que reza a cartilha da destruição. Obrigado pelo texto e pela luta.

    Grande abraço,

    Fábio

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