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27/01/2022

O Criador, dona Lindu e Paulo Freire

Não temos o direito de entregar tudo nas mãos daqueles que lucram com a fome e a miséria.
Precisamos sonhar e lutar por um mundo melhor

Por Helinando P. de Oliveira 

Mais uma quarta-feira de trevas neste 31 de dezembro de 14 bilhões de anos a.C. no reino da poesia. Não há tempo nem espaço e a própria ciência ainda não nascera para descrever o que acontece na eternidade da escuridão. Já a poesia tudo pode. Até mesmo romper as barreiras do princípio e decidir se fica longe ou próxima da sua irmã caçula, a ciência. Diz a poesia que uma forma superior de existência assistia tudo aquilo em silêncio enquanto rascunhava em uma folha de guardanapo (em cinco dimensões) suas equações.

E do nada, Ele decidiu intervir. Pegou as suas escritas e arremessou no vazio – em um silêncio sepulcral – ele havia chegado, enfim, ao conjunto de equações que regiam tudo. Isto foi suficiente para gerar a maior de todas as explosões, que serviu, conta a poesia, para comemorar o nascimento do tempo, do espaço, das ciências e da luz. Daquele pedaço de papel rabiscado nasceram 17 bilhões de planetas (dos quais um deles é a Terra) e se puseram a viajar rumo ao desconhecido. Nossa Terra, essa jovem de 4,54 bilhões de anos passou a acumular vida, mais de dois milhões de espécies que conviviam em harmonia. Porém, muito recentemente, nosso pequeno ponto azul no quadro infinito da existência galáctica viu surgir o homo sapiens, que chegou há 200-300 mil anos. Com uma inteligência admirável ele se pôs de pé, dominou o fogo, a linguagem, as ferramentas e passou a mudar o planeta como nenhuma outra espécie ousara fazer. 

Sua forma de povoamento passou a depender de uma dinâmica de dominados e dominadores, explorados e exploradores. E com a escassez de recursos naturais, todo este processo foi ainda mais agravado. Dois mil anos depois de Cristo a situação já estava bem definida como a de um hemisfério que era explorado e fornecia matéria prima para outro que recebia e a devolvia sob forma de lixo. E com uma divisão tão clara entre escravizados e escravizadores ficou muito evidente que esta lógica de sacrifício do povo pobre em prol da sobrevivência do povo rico não se sustenta. Mesmo assim, os donos do poder decidiram extrair até a última gota do petróleo, escrever a história com o sangue de mais um inocente – e a tendência é de que esta decisão irracional leve ao fim da espécie humana na Terra. 

Para o Universo, de fato, isso é irrelevante. Somos apenas uma em 2 milhões de espécies em um dos 17 bilhões de planetas criados de uma só vez. Aliás, o Criador poderia ter vários outros papéis rabiscados no bolso para atirar a qualquer momento.

Por outro lado, para nós, o fim da espécie humana na Terra representa a derrota em nível máximo de tudo o que foi construído por esta espécie – toda a ciência e tecnologia – todo o legado do conhecimento humano. Não temos o direito de entregar tudo nas mãos daqueles que lucram com a fome e a miséria. Precisamos sonhar e lutar por um mundo melhor, em que todos tenham acesso a água, comida, educação, saúde. E tudo isso começa na educação. Como dizia dona Lindu: “Tem que teimar”. E tem que teimar mesmo. É com livros e a energia do povo que a estrutura neoliberal treme. O povo precisa assumir seu papel, exigir seus direitos. O pálido ponto azul é nosso. Sem dominado nem dominador. Todos somos importantes. A revolução sonhada por Paulo Freire está começando.

Helinando P. de Oliveira é professor, engenheiro eletrônico e doutor em Física 

7 comentários:

  1. Muito bom 👏👏

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    1. Muito bom mesmo, pena que está faltando no povo força e garra pra lutar por seus direitos, muitos nem se quer sabem que educação, saúde, moradia,alimentação são direito, falta conhecimento dos fatos.

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  2. Excelente, professor. o senhor me representa.

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  3. Artigo maravilhoso e que mexe com nossos brios. Quem determinou que essa nave azul carregue dentro de si tantas contradiçõe? Por que uns poucos privilegiados detêm tanto poder sobre ela e sobre todas as suas criaturas? Por que as riquezas geradas pelo trabalho de todos e todas se concentrem em mãos de poucos? Por que a mãe Terra, nossa Pachamama, tão generosa com as suas criaturas seja tão aviltada? Eles nos querem caladas, mas façamos barulho, Eles nos querem mortas mas somos sementes. Vamos teimar porque a vida é feita de possibilidades, de movimento e de coletividade.
    Parabéns, professor Helinando. Por mais cientistas como você, com sensibilidade e visão poética do mundo.

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  4. Se a gente não lutar ninguém lutará por nós.

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  5. Eita professor, vc pensa igual a mim!, desculpa a ousadia.Eu penso igualzinho aVossa Excelência. Tamos juntos.

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  6. Texto maravilhoso, reflexivo. Estou aqui emocionada com a escrita desse texto, pois nos faz (re)pensar, refletir, (re)agir, e mudar nossas atitudes em todos os sentidos e esferas. Obrigada, professor Helinando. Queremos mais professores assim entusiasmados e amantes da ciência. Gratidão.

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